Um Carnaval distópico e sombrio, onde frevo, carimbó, afoxé e maracatu se encontram em uma estética punk pós-moderna, embala “Carnavalha”, quarto trabalho de estúdio do cantor e compositor carioca Pedro Ivo Frota. O lançamento do selo Cantores del Mundo é afiado, transgressor, um retrato cultural e político do Brasil atual que não abaixa a cabeça para o autoritarismo.
O álbum bebe na tradição oral da cultura popular brasileira, trazendo composições assinadas por Pedro Ivo e Mauro Aguiar e embaladas por uma sonoridade potente que conta apenas com um power trio: André Siqueira na guitarra, Bernardo Aguiar na percussão e Ivo Senra nos sintetizadores – este último também assina a produção musical. Tudo para invocar a festa anárquica do Carnaval e buscar apontar novos caminhos para a música brasileira contemporânea.
- Publicidade -
“Já que o Brasil só funciona na base da festa e celebração, que esse fato seja usado para valorizarmos tudo aquilo que temos de bom, especialmente nossa cultura popular, e ao mesmo tempo para atacar tudo aquilo que temos de ruim, nossa alienação, a cultura de massa e nossa cegueira. O carnaval do álbum não tem espaço para preconceito, racismo, intolerância religiosa, machismo e caretice. É um ataque vigoroso à intolerância cotidiana e aos dias tristes que estamos vivendo, vítimas de um governo autoritário e do fascismo que ganha cada vez mais a sociedade”, resume Pedro Ivo Frota.
“Carnavalha” é uma insurgência contra a barbárie cotidiana em cada uma de suas seis canções. A foto de capa é bastante representativa desse espírito: clicada por Naoko Takahashi, mostra o artista plástico, parceiro musical e agitador cultural maranhense Walter Reis no carnaval do tradicional bairro carioca de Santa Teresa.
O disco abre com a faixa-título e seu maracatu psicodélico, cujo clímax são os versos “morte querida, é normal / és a cereja do bolo / por isso, assim seja / escolho teu colo/ pois é carnaval”. Passa com humor pelo frevo “Diabólido”, o carimbó “Um dia você acerta” e o samba “Bicho Pau”. O afoxé “Aceitação” ataca a intolerância religiosa: “tantos filhos de Santo/ tantos babalorixás/ em chamas / tantos chamamentos”. E o álbum fecha com o samba “Meiúca”. O eu lírico é um personagem do Cais do Valongo, a voz do Malandro. “Meu fundo do poço/ pra enterrar meu osso colosso/ meu resto rosto insosso/ depois viro encosto/ meu posto”. A faixa conta com a participação especial do cantor e compositor Muato.
O novo disco de Pedro Ivo Frota vem para somar a uma trajetória já prolífica. O compositor, pianista, arranjador e cantor, formado em música brasileira pela Unirio, tem três álbuns lançados: “Via Canção” (Tumdum 2007), “Leve o Porto” (Tumdum 2011) e “Monolito” (Biscoito Fino 2017). Já foi gravado por diversos artistas da nova geração, como Aline Paes, Liz Rosa, Daíra, André Muato, Karla da Silva, Luiza Sales, Luiza Borges e Martina Marana. Se destacou na direção musical para teatro e ganhou o prêmio de melhor trilha sonora com o musical nordestino “Árvore dos Mamulengos” (Vital Santos). No final de 2012, abriu shows de Zezé Motta. Compôs a trilha sonora do espetáculo circense da Unicirco Marcos Frota nos anos de 2014 e 2015. Foi integrante do grupo Entreveros com Thiago Thiago de Mello, Marcelo Fedrá, Renato Frazão, Diogo Sili) e com seu trabalho solo, excursionou por Nova York e se apresentou na Berklee College of Music.
Mas “Carnavalha” abre um novo capítulo na história do artista, canalizando de Nação Zumbi e Nicola Cruz a James Blake, Tame Impala e Radiohead. “Monolito”, seu último trabalho, somou um time de cerca de 20 músicos – inclusive o trio que o acompanha, agora, no novo disco -, e tinha outras referências: João Gilberto, Bjork, Esperanza Spalding, Chett Baker e Milton Nascimento.
Sem abrir mão de um olhar pop e moderno, em “Carnavalha” o artista usa a celebração para colocar o dedo na ferida, trazendo uma reflexão para aquela que é tida como a mais democrática das nossas festas populares e escancarando as nossas desigualdades e tendências autoritárias. O álbum parte de uma antropofagia pós-tropicalista e abraça a contracultura. O fato de que o Carnaval deste ano não acontecerá mostra que essa reflexão é atemporal, não condicionada a alguns dias de folia.
Politizado sem ser panfletário, transgressor sem agressão, underground sem medo de ser popular, “Carnavalha” é um impactante manifesto contra o que temos de pior, mas principalmente uma grande celebração do que temos de melhor: nosso povo, cultura e diversidade.
Ouça “Carnavalha”: https://ingroov.es/carnavalha
Fonte: Build Up Media